Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro - UNIRIO
Instituto Villa-Lobos - IVL
Regência - Pr. Guilherme
Bernstein
Bacharelado em Regência
Técnicas de Ensaio
Introdução - Objetos de Ensaio
O que se deve ter em mente ao ensaiar uma orquestra (qualquer orquestra, qualquer repertório):
1.Precisão Rítmica
pulsação da música/orquestra
pulsação/andamento de cada movimento/trecho
solução clara de passagens complexas (ritmo e dinâmica)
definição dos motores rítmicos
2. Ataques, Articulações e Fraseados (Estilo)
definição de articulação por célula, instrumento/naipe
definição dos motores rítmicos (sim, de novo)
3. Planos Sonoros/Textura
definição de dinâmicas por trecho/naipe
determinação começo/fim e mínimo/máximo para cresc. e dim.
pontos culminantes e de relaxamento na frase
4. Agógica
ritardi, stringendi etc.
5. Criação
libertar as forças criativas em planos acima do que foi ensaiado
NÃO IMPROVISE (2): antes do primeiro ensaio estude a partitura procurando antever os trechos que precisarão de maior atenção e que tipo de trabalho será adequado para sua solução. Entre cada ensaio, faça o mesmo, revendo mentalmente o que foi feito e, em função disso, o que deve ser feito em cada etapa, em cada ensaio, progressivamente. Programe cada trecho a ser trabalhado em função do tempo de ensaio, privilegiando o que for mais fundamental. Anote se necessário e siga o planejamento.
Filosofias de Ensaio
1. Macro Gerenciamento (ou “Técnica Beecham” de Ensaio)
Consiste em privilegiar o todo com relação aos detalhes. Trabalha-se em longos trechos, parando-se o menos possível, procurando-se resolver tudo pelo gesto. Quando este por si só não soluciona, repete-se o trecho.
Sir Thomas disse, em famosa entrevista gravada, após criticar jovens regentes obsessivos: “eu rejo a obra do início ao fim uma vez; a orquestra faz alguns erros; eu vou em cada um destes lugares, conserto-os, vejo-os em detalhe um a um; rejo do início ao fim uma segunda vez; a orquestra não faz qualquer erro”. Comentário perfeitamente ilustrativo da sua filosofia de trabalho.
Indicação:
Orquestras de qualquer nível
Repertório desconhecido da orquestra
Pouco tempo de ensaio
Problemas:
Possível superficialidade ou falta de interpretação pessoal
Não resolução de problemas, em grupos menos rápidos
Falta de empenho por parte da orquestra, especialmente em se caindo na “Técnica Da Capo” de ensaio (acabar um trecho apenas para pedir “da capo”, sem dizer à orquestra o que fazer ou porque se repete).
2. Micro Gerenciamento (ou “Técnica Gergiev” de Ensaio)
O exato oposto da anterior. Consiste em privilegiar os detalhes com relação ao todo. Trabalha-se pequenos trechos, às vezes poucos compassos, até a realização do ideal imaginado pelo regente. Uma vez atingido o objetivo, para-se e reinicia-se o processo em outro trecho, sem solução de continuidade.
Diz-se que Valery Gergiev freqüentemente passa com a orquestra um movimento inteiro apenas no concerto, o que faz com que os músicos permaneçam como que em suspense sobre como será o resultado final. Desnecessário dizer que apenas excelentes orquestras podem se dar ao luxo deste tipo de abordagem extrema.
Indicação:
Boas ou ótimas orquestras
Repertório padrão (conhecido da orquestra, portanto)
Tempo razoável de ensaio
Problemas:
Falta de visão do todo e conseqüente falta de fluência
Falta de continuidade ocasionar perda do trabalho dos ensaios
Dispersão da orquestra nos ensaios por falta de continuidade
3. Gerenciamento Equilibrado
A maior parte dos regentes, inclusive os utilizados para nomear as técnicas precedentes, equilibra as técnicas acima, seja em cada um dos ensaios, seja pelo período de ensaios, em busca do melhor de cada abordagem.
Planejamento
Todo período de ensaios, independentemente de se tratar de um único ensaio ou de várias semanas de trabalho, pode ser dividido em três fases, cuja duração normalmente é desigual, de acordo com as características de cada orquestra/repertório:
1. primeiro(s) ensaio(s) – leitura/montagem (com solução imediata de problemas que fazem a orquestra parar, elucidação de questões, arcadas etc.). Objetivos: 1) montar, estruturar a música, no caso de música nova para a orquestra; 2) dar a conhecer sua interpretação, no caso de repertório conhecido; 3) deixar claros os problemas a serem trabalhados em seguida (os “objetos” abaixo).
2. ensaios intermediários – trabalho dos “objetos” (todos os acima)
3. ensaio(s) final(ais) – fluência
Na verdade, dependendo das características do trabalho e da experiência do regente, as fases acima se alternam num mesmo ensaio. É preciso atenção, no entanto, para que a alternância de métodos não se confunda com falta de planejamento e objetividade.
Durante o ensaio
Não seja um regente carente. Cobrar que a orquestra olhe para você o tempo todo é, além de desagradável, inútil e, frequentemente, contraproducente. Músicos experientes apenas olham para o regente nos momentos certos: entradas, mudanças de andamento, fermatas etc e quando o regente se vira para eles ou o naipe. É bom que seja assim; ao contrário do regente, os músicos precisam efetivamente ler cada uma das notinhas à sua frente, se preocupar com afinação, conjunto, executar cada nuance escrita e acordada… Então deixe-os se concentrarem nesse árduo trabalho. Além disso, quanto mais claro e fluido for o gestual, menos se torna necessário que se olhe para o regente. Por paradoxal que pareça, quanto mais firme for o sentido rítmico do gesto, menos se precisa olhá-lo. No caso de você se virar para eles, além de responderem ao reflexo humano natural de retornar um olhar, os músicos o olham aguardando alguma instrução - afinal, foi para dar alguma instrução que você os encarou, não? Então tenha certeza de ter alguma instrução a dar, caso contrário eles descobrirão que seu olhar vale pouco e cessarão de lhe dar atenção.
Naturalmente, uma orquestra de iniciantes ainda não aprendeu os lugares certos para olhar para o regente ou ainda é muita insegura para desgrudar o olhar da parte. Sendo esse o caso, ensine-os a olhar para você apenas nas entradas, mudanças de andamento etc., sem cobrar mais do que isso. Iniciantes ou experientes, os músicos darão atenção ao regente tanto quanto seu gesto for significativo.
Ao parar a orquestra
- não se pára uma orquestra para se trabalhar apenas uma questão; executa-se todo um trecho (a exposição, o tema B, etc.) anotando-se mentalmente as diversas questões que vão surgindo. Uma vez a orquestra parada, dirija-se a cada um dos instrumentistas ou naipes com as instruções pertinentes.
- não se pára uma orquestra por um erro de nota numa voz secundária de sopros; o instrumentista certamente percebeu o erro antes do regente. Olhe para o músico com olhar neutro, apenas para fazer entender que está ciente; se houver um segundo erro no mesmo trecho, então, ao parar a orquestra (mas ainda não unicamente por esse motivo!), dê a instrução correta ao instrumentista.
- não se pára uma orquestra por erro de nota em solo da orquestra. Se houver erro numa segunda audição, encare como possivel erro de impressão ou de momento. Sendo o caso ou não, procure trabalhar a questão no intervalo; o solista terá todo o interesse em executar seu solo da melhor forma possivel.
- exceção às regras acima é quando se trabalha um problema específico, repetindo-se uma frase, alguns poucos compassos ou menos, em busca da articulação correta, de uma melhor afinação. Aí, repete-se a frase até solucionar-se a questão (na verdade, nesse momento a orquestra já está parada e provavelmente está-se trabalhando apenas um naipe ou outro!). Uma vez obtido o resultado pretendido não faça o tutti repetir o grande trecho apenas para ver se o grupo trabalhado executa a frase corretamente a não ser em conjuntos os mais principiantes.
- pare a orquestra preferencialmente numa cadência, após um trecho de tamanho razoável, nem tão longo que se perca a objetividade, nem tão curto que se perca a fluência. Esse “tamanho razoável” é tão variável quanto o número de orquestras, regentes, instrumentistas e situações possiveis porém pode-se generalizar que, em princípio, quanto melhor a orquestra e/ou mais experiente o regente, mais longo o trecho e vice-versa.
- se o fluxo musical “quebrar”, seu “trecho de tamanho razoável” já acabou. Se se tratar de uma primeira passada, resolva a questão o mais rápido possível e continue ensaiando por trechos; é melhor dar tempo para orquestra e regente se conhecerem ou, se for o caso, a orquestra conhecer a obra e resolver a parte (a questão musical que causou a quebra) pelo todo (sendo uma questão de linguagem musical). Se for trecho já ensaiado, considere insistir imediatamente ou deixar para o ensaio seguinte.
- seja sempre objetivo; “está bom”, “está ruim” não ajuda em nada. O que deve ser feito? Mais ou menos articulado, notas mais ou menos curtas, mais forte ou mais piano etc.
- imagens, mesmo que infantis, sempre são bem-vindas, em óperas e poemas sinfônicos principalmente. Todos os violistas e violoncelistas sabem que representam as ondas do mar nos primeiros compassos de “As Hébridas” (Mendelssohn), mas não se importarão de ouvi-lo novamente. No entanto, esse tipo de comentário deve vir após uma instrução objetiva: as ondas do mar se apoiam na primeira nota do motivo, no meio do compasso ou em lugar nenhum?
- salvo em notas ou acordes isolados, uma nota errada de um instrumentista de cordas soa como problema de afinação mais do que erro de nota, propriamente. Portanto, para as cordas o trabalho de afinação é quase sempre por trechos e frases, não por notas ou acordes.
- é da minha experiência, seja regendo, seja assistindo, que grande parte dos problemas de afinação nas cordas não é resultado direta ou unicamente da afinação propriamente dita, mas da falta de precisão rítmica do naipe. Naturalmente que um grupo de instrumentistas executando com afinação perfeita mas com ligeira diferença de ponto de ataque soará como se estivesse desafinado. Atenção para dar a cada problema seu nome correto.
- o mesmo pode ser dito sobre articulação. Definindo-se corretamente as articulações e durações de nota a afinação dos naipes melhora automaticamente. Pelo contrário, é inútil insistir em corrigir a afinação de notas desiguais em ataque ou duração.